Cozinha de presença.
Esse post vai parecer um pouco estranho em um primeiro olhar. Mas não desista, vou dar o meu melhor para que você não me ache maluca.
Eu não fiz escola de culinária ou de pâtisserie. O mais próximo que cheguei foram dois workshops sobre bolos decorados com pasta açúcar que fiz em Portugal. O que aprendi sobre cozinha foi lendo e praticando. Praticando com um bebê, que às vezes ficava no sling, às vezes dormia, às vezes chorava, às vezes brincava. Isso me ensinou muito sobre planejamento na cozinha, e de certa forma, na vida também.
Hoje levo menos da metade do tempo para fazer um bolo do que levava em 2014, quando comecei na cozinha a sério. Aprender a ser eficiente foi uma meta necessária na cozinha com uma criança por perto e uma vitrine para encher. Precisava planejar meus movimentos desde a escolha da receita, separação dos ingredientes, tempo de preparo, etc. Porque tem muitas coisas que as receitas não contam. Uma que me lembro agora é da manteiga.
Raramente a manteiga é usada na confeitaria gelada. Em geral é necessário que ela esteja em temperatura ambiente e as receitas indicam isso. Muitas vezes eu ignorei isso, por pressa, por necessidade, por falta de planejamento. Muitas vezes minhas massas de bolo não ficaram perfeitas. Com o tempo e os erros fui percebendo a diferença e conseguindo me planejar melhor na cozinha, ou seja, pesando a manteiga e deixando ela atingir a temperatura ambiente.
Para ser eficiente na cozinha eu comecei a perceber que teria que me planejar. Que teria que desenvolver a capacidade de ver um pouco a frente. Exemplo: preciso fazer pão de queijo, brigadeiro e bolo. Ah, outro detalhe é que não estou exclusivamente na cozinha. Também preciso atender no balcão, ver o desenho do meu filho, procurar a bolinha com ele e arrumar o lanche da escola. Voltando… Para o pão de queijo e o bolo, vou precisar usar o forno. Se ligar o forno por duas vezes, em horários distintos, vou gastar mais energia. Se me organizar e conseguir encadear as coisas no forno, economizo. Meu pão de queijo leva 34 minutos para assar. Mas não consigo separar os ingredientes e fazer a massa do bolo em 34 minutos, por conta da minha “não exclusividade” na cozinha. Tenho que contar com os outros compromissos. Meus ingredientes ficam em uma sala diferente de onde preparo os doces. Ficar transitando de uma sala para outra me toma tempo e me deixa mais cansada. Se organizar a separação dos ingredientes ganho tempo e economizo minha energia.
Bem, esse pensamento é o que consigo desenhar hoje, em 2017, quase 3 anos depois de tomar conta de uma cozinha. No começo você consegue imaginar como era? Sim, um caos. O que me ajudou? Presença. Parar e olhar. Respirar e sentir.
A minha referência para presença é o conceito psicológico ou espiritual. Estar presente. Se presentificar. Se observar. Ter mindfulness. Objetivamente falando, desenvolver o foco. “Mãeeee, meu desenho saiu feiooo, buaáaaa.” “Preciso tirar a manteiga da geladeira e já vou atendê-lo, depois aproveito e pego a farinha e o cacau e trago para cá”. Algumas vezes esqueço da farinha e preciso voltar. Mas tenho evoluído. Estar presente, ou ter atenção plena é uma qualidade totalmente passível de ser desenvolvida. É preciso disciplina, mas em geral quando a “água bate na bunda”, aprendemos a nadar 🙂
Sempre me lembro de uma história que me ajuda a perceber isso de uma forma mais leve. Na feira livre havia uma senhora que vendia pastéis. Você chegava na beira da banquinha e ela logo perguntava que pastel você ia querer. “opa, que legal já ser atendida!” E logo ela perguntava para a pessoa que estava do seu lado, e do outro e sucessivamente. Quando chegava no outro lado, ela já não se lembrava o que eu havia pedido. E voltava perguntando tudo novamente. Quando lembramos dessa história eu e minhas irmãs damos muita risada. A estratégia da senhora não funcionava. Ela não se alterava, não ficava chateada, simplesmente começava de novo. Mas a banquinha dela vivia cheia. Ela não era eficiente para atender os pedidos. Mas seu pastel era muito bom! Ela não tinha atenção plena. Não conseguia perceber ou desenvolver uma forma de melhorar o atendimento aos seus clientes. Sua cabeça estava cheia de nomes e pedidos e sabe Deus o que mais. Não havia espaço para mais nada.
Na cozinha para mim funciona assim. Se estou com a cabeça cheia, logo a eficiência diminui. Se estou preocupada ou distraída, fico dando voltas, me canso mais, e as vezes as coisas dão errado. Esqueço o bicarbonato, não peneiro o cacau em pó em uma das camadas do tiramisù, perco a conta dos ovos que já adicionei, etc, etc. E bem, na maioria das vezes, não dá para voltar atrás. Ou se joga tudo fora, ou se serve um produto fora do padrão.
A cozinha me ajudou muito. Era crucial eu desenvolver essa habilidade. Focar, planejar, me desligar do mundo e dos problemas. Por isso, de certa forma, a cozinha sempre foi um refúgio para mim. Se estava triste, ia fazer um bolo, se estava feliz ia fazer um bolo. É o refúgio e também o paraíso. É um dos lugares onde posso me encontrar comigo mesma. Onde as coisas fluem… Me lembro de um episódio da primeira temporada da série do Netflix, Chef´s Table: Niki Nakayama, do N/Naka. Ela descreveu algo parecido com o que eu percebia acontencendo comigo. Cozinhar, montar os pratos, era para ela como se fosse uma meditação.
Imagem: instagram @chefstableseries
Encontrei a fala dela nessa imagem e traduzo livremente aqui:
Quando estou empratando a minha mente fica completamente desligada. É tudo baseado no sentir.Eu penso que isso é similar ao estado meditativo que as pessoas podem atingir. Onde elas não estão mais ouvindo a própria mente, mas é só aquele momento.
Desenvolver presença também é desenvolver observação. É perceber os detalhes e sua importância. É tirar o brigadeiro do fogo no momento certo. É perceber quando o creme de leite precisa de mais tempo na refrigeração para virar chantilly. É sentir a delicadeza da framboesa e perceber onde ela caberia de forma mais harmoniosa. É saber que em alguns momentos só é preciso ter paciência e esperar… assim como na vida.
E para terminar, presença.
“To stay present in everyday life, it helps to be deeply rooted within yourself; otherwise, the mind, which has incredible momentum, will drag you along like a wild river.” Eckhart Tolle
“Estar presente no dia a dia ajuda a estarmos profundamente enraizados dentro de nós mesmos; de outra forma, a mente, que possui um momentum incrível, vai te puxar como um rio selvagem.” Eckhart Tolle